terça-feira, 26 de julho de 2011

A teologia da prosperidade

Na fachada de um prédio localizado  na zona norte de Natal, minha irmã (Taíse) viu um cartaz de fundo amarelo e letras vermelhas que lhe chamou atenção, estava escrito: "você precisa de dinheiro?"


Até aí tudo bem, vemos isso estampado em vários estabelecimentos financeiros que oferecem, sob juros altíssimos, empréstimos financeiros que, na maioria das vezes só levam o mais pobre e menos esclarecido a cair num abismo de dívidas e com poucas chances de sair. Porém, na parte inferior do mesmo cartaz está também o convite para uma "corrente de oração pela prosperidade financeira", ou seja, não se trata de um banco.

No prédio onde esse cartaz está exposto funciona atualmente um "templo" de uma seita protestante que supostamente seria "do Reino de Deus".

Diante disso, resolvi postar um artigo sobre a "Teologia da Prosperidade". O artigo é de 2001, porém, cai como uma luva para os nossos dias.

Precisamos refletir aonde estamos depositando a nossa esperança:

- se em DEUS, de fato;

- ou nas promessas de homens que encontraram na bíblia uma fonte de renda e prosperidade;

O artigo é longo, mas lhe convido a fazer essa reflexão.
[alguns grifos são meus]

Jailson Morais

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As Origens

Desde a época que o reformador Calvino afirmou que "a riqueza é um sinal dos eleitos", espalha-se por diversos setores protestantes a idéia de que a prosperidade material é um presente de Deus para seus filhos. Uma espécie de paraíso terrestre que distingue os "salvos" dos outros mortais.
 
Esta ideologia hoje encontra seu sustentáculo maior na chamada "Teologia da Prosperidade", nascida nos EUA, mas que se espalhou pelo mundo protestante , incluindo o Brasil, como fogo em mato seco.
 
A Base Bíblica
 
O "versículo-chave", verdadeiro carro-chefe desta doutrina, encontra-se no Evangelho de São João, mas precisamente na passagem sobre o Bom Pastor: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância." (Jo 10,10)
 
Versículos como este são interpretados no sentido de que Deus deseja ardentemente que seus filhos possuam muitas riquezas nesta vida: dinheiro, saúde, bem-estar... e em abundância, ou seja, bem mais que o necessário.

Passagens bíblicas, como a citada a seguir, são devidamente esquecidas:
 
"Observai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam. Mas eu vos digo que nem Salomão com toda a sua glória se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, gente de pouca fé! Por isso não vos preocupeis, dizendo: ?O que vamos comer? O que vamos beber? Com que nos vamos vestir?? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai, pois, em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas de acréscimo." (Mt 6,28-33)
 
O trecho acima bem demonstra que a preocupação primordial do fiel deve ser o Reino de Deus ("Buscai, pois, em primeiro lugar o reino de Deus"). De fato, todos podem servir a Deus, não sendo o acúmulo de riquezas uma condição essencial. Todos possuem bens que devem ser usados em favor da comunidade, do próximo. Do contrário, Cristo deveria ter procurado os seus seguidores única e exclusivamente entre a elite judaica, e não no meio dos pescadores.
 
Note-se ainda que o "Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso". Será que o neo-calvinismo de hoje, cognominado Teologia da Prosperidade, está preocupado apenas com o necessário de que o homem precisa, tal qual reconhece Deus ? A resposta é não, como veremos a seguir.
 
A Prática
 
A palavra de ordem é: "doe e receberá muito mais". Aqui aparece um outro elemento de tal doutrina: "doar, dar...", mas na condição de que o retorno será bem significativo. Deus vira uma espécie de investimento. O crente doa recursos financeiros a sua denominação religiosa, mas na esperança, praticamente certeza, de que Deus estaria obrigado a lhe dar uma resposta através de muito mais dinheiro, ou outros bens, como saúde, um bom casamento, etc.
 
Neste sentido, vejamos um trecho de reportagem publicada no jornal paranaense "Gazeta do Povo", em 31 de Janeiro de 1999" :
 
Dízimo

Embora as denominações das seitas evangélicas que se multiplicam pelo país sejam diferentes, elas funcionam com regras parecidas. A principal delas é o pagamento do dízimo, que deve corresponder à 10% da renda do fiel. Nos cultos da Reviver, as reuniões nunca terminam sem que a coleta seja feita em uma pequena caixa. Quem entra na igreja pela primeira vez, logo se depara com um aparador cheio de envelopes destinados ao recolhimento das ofertas.
 
Na Igreja Universal do Reino de Deus, que tem quase 200 templos na cidade, os apelos ao dízimo também são constantes. No culto realizado na manhã do dia 26 de janeiro na Catedral da Fé - como os fiéis chamam o templo localizado na Avenida Sete de Setembro - além do alerta sobre a importância do dízimo o pastor Carlos tentava convencer os fiéis de que, dando outros donativos, suas dívidas desapareceriam. Baseado na argumentação de Deus dá em dobro, ele pedia que cada um entregasse um envelope com os donativos indicados "pelo coração". "Pode ser R$ 70, R$ 50 ou até R$ 30, mas o mínimo é de R$ 20", explicava. - grifos nossos
 
Como se percebe, há uma nítida relação de troca. Embora esta teologia seja aplicada mais descaradamente nas igrejas pentecostais, da qual a Universal é o símbolo máximo, ela atinge grande parte das demais seitas protestantes. Não é de hoje que temos notícia desta prática em igrejas protestantes ditas históricas ou tradicionais.
 
A Amplitude
 
Também é outro preconceito dizer que esta teologia só atinge as classes pobres e de baixa instrução. Vejamos trechos da reportagem "A vez dos ricos", da revista "Veja" de 12 de fevereiro de 1997:
 
"O alvo, agora, são as classes A e B. Há dois anos, o publicitário Juanribe Paglarin largou o emprego e uma renda mensal de 10 000 reais para abrir a igreja Paz e Vida. Convenceu os três irmãos a fazer o mesmo. Dois deles abandonaram cargos de chefia em multinacionais."

(...)

"Resultado: em dois anos fundaram 24 igrejas pelo Brasil - um ritmo frenético de um templo a cada mês. Suas igrejas são acarpetadas, boa parte delas tem ar condicionado e, segundo cálculos de Paglarin, mais da metade dos fíéis pertencem às classes A e B."
 
Na mesma reportagem, mais adiante, é o próprio pastor quem conclui: "O público procura uma igreja mais adequada ao seu perfil". Em miúdos: procura-se agradar ao mercado consumidor.
 
O Antropocentrismo

É uma religião para o homem, e não para Deus. Desde o falso movimento humanista, do qual o protestantismo é apenas mais uma vertente, o antigo teocentrismo vem sendo substituído por um antropocentrismo de acordo com o gosto do freguês, ops, do fiel:
 
"A mudança no visual é acompanhada por uma nova maneira de pregar a fé. O culto ficou mais contido e menos teatral. Não há espetáculos de exorcismo, com desmaios seguidos de convulsões e muita gritaria. Apesar de o diabo continuar a ser apontado como o pai de todas as fatalidades, ele passou a ter uma presença mais discreta do que normalmente se vê nos cultos da periferia. O sermão parece mais uma aula de auto-ajuda de Lair Ribeiro".
 
Em resumo, passa-se o seguinte ensinamento: o homem é o centro de tudo e o é céu aqui e agora ! Claro, com muito sucesso financeiro, prosperidade material...verdadeiro sinal de que alguém "repousa na benção de Deus".
 
E melhor: quanto mais contribuir com a igreja, maior será o retorno !

As provas: os testemunhos
 
Para endossar tais ensinamentos, em geral a igrejas usam dos já famosos testemunhos: pessoas falam sobre sua situação de penúria, de forma comovente ; e depois, como a vida se transformou ao entrar para aquela igreja ou passar a doar mais e mais. Carro importado, casa nova, melhor emprego, empresa de sucesso, roupas de grife... qualquer coisa serve como "prova cabal" para a veracidade do testemunho.
 
E se entre estes testemunhos, tiver o de gente famosa, sucesso garantido. Há mesmo quem cobre cachê para contar as "maravilhas que Deus fez" em sua vida.
 
Em se tratando de gente famosa ou das classes mais abastadas, nem precisa de testemunho, basta a própria presença para causar furor entre os adeptos da teologia da prosperidade. Seguem trechos da reportagem "Templo evangélico da Barra vira ponto de encontro de modelos, manequins e atores" , publicada no jornal "O Globo" de 17 de abril de 1999:
 
O antigo Teatro da Barra, na Avenida Lúcio Costa, nunca esteve tão apinhado de famosos. Do público cativo, fazem parte modelos como Monique Evans, Cristina Mortágua, Gisele Fraga e a ex-miss Brasil Márcia Gabrielle; artistas como Simone Carvalho, Paula Hunter e Carlos Machado; socialites como Kristhel Byancco e Georgiana Guinle, além do surfista Dada Figueiredo, do coreógrafo Zé Reynaldo, empresários, donas de casa e patricinhas e mauricinhos em geral. No palco - um altar improvisado com papel de parede de árvores e um telão onde correm letras de música evangélica em ritmo de videokê - as estrelas são outras: o pastor Francisco Oliveira, acompanhado da mulher, pastora Ana. Em cartaz, há três anos, estão os cultos da igreja Sara Nossa Terra, um sucesso emergente de bilheteria.

Ir à igreja inclui pagar o dízimo, cantar louvores, fazer pedidos, ouvir e proferir testemunhos de fé. Mas nada de vestidões até o pé ou cabelos muito compridos, a menos que sejam como o pretinho básico envergado por Márcia Gabrielle ou como as madeixas aloiradas de Cristina Mortágua.
 
- As mudanças são de dentro para fora. A igreja tem restrições, mas não recriminações. Se isto acontecesse, não pisaria lá - disse Cristina, de bíblia na mão, no culto da última quarta-feira. Há dois meses engrossando o coro de "améns" que pontua as pregações, Márcia Gabrielle diz que chegou à Sara depois de peregrinar por várias igrejas:
 
- É bacana ver tanta gente famosa e bonita conhecendo o que eu conheço há tempos: a palavra de Deus. O louvor aqui é forte. Saio com um astral diferente.
 
A Sara Nossa Terra nasceu como Comunidade Evangélica de Goiânia, há 20 anos, numa garagem. Hoje, já são 200 templos no Brasil, sendo 20 deles no Rio, e um nos Estados Unidos. Todos sob o comando do Bispo Robson Rodovalho, de Brasília.
 
Sacrifício
 
Nesta ótica "God is fashion", até a noção de sacrifício é pervertida. Um exemplo é quando pastores citam a história em que Abraão iria sacrificar seu filho a pedido de Javé. Interpretando tal passagem, não importaria aí o pedido de Deus; ou mesmo a prefiguração do sacrifício de Jesus na cruz. Importaria, pela visão neo-calvinista, o fato de que Abrãao estaria disposto a fazer um grande sacrifício, mas teria a recompensa de terras (riquezas) em abundância, ver a queda de seus inimigos, sua descendência se multiplicar por gerações e gerações, etc.
 
Mas que se faça justiça: é preciso destacar a criatividade dos teólogos da prosperidade. Praticamente, toda e qualquer passagem bíblica serve como pretexto para se estabelecer esta relação de troca com Deus.
 
Talvez todos os fiéis não estejam sendo "abençoados" como desejariam, já que há apenas alguns testemunham, e mesmo assim, escolhidos a dedo.
 
Sinal de Preocupação
 
Por outro lado, os líderes destas igrejas parecem está em situação financeira bem melhor.

Este sinal de alerta já chega a preocupar algumas lideranças protestantes. Vejamos o que disse o Sr. Russell Philip Shedd ao ser entrevistado pela revista "Vinde" :
 
"Temos assistido a inúmeras dissidências entre pastores e suas igrejas. Muitos saem para fundar seus próprios ministérios. Por que isso acontece com tanta freqüência?"

Uma das principais motivações é a financeira. Percebe-se que, quando o pastor tem sua própria igreja e capacidade de juntar pessoas que vão contribuir, sua vida vai melhorar. Em segundo lugar: discordância com o líder. Ele acha que está mais certo do que seu superior, então surge o conflito e ele sai."
 
Traduzindo: como primeira causa, o interesse financeiro. Depois, o orgulho do pastor em achar que está mais certo que o outro. Obviamente ambos são causas, no mínimo, inoportunas. No entanto, o que queremos destacar aqui é o alcance que a Teologia da Prosperidade tomou. Antes, a causa maior de divisão entre os protestantes era o orgulho (o maior dos sete pecados capitais!), no sentido de que qualquer desavença teológica ou administrativa era motivo para fundar uma seita. Basta analisar historicamente como se fundaram algumas das tantas denominações pós-Reforma. Por pior que isto seja, mais recentemente surgiu uma outra causa: o dinheiro. Neste nível, pode-se mesmo equiparar uma igreja desta a uma empresa comercial qualquer, já que ambas possuem como finalidade maior o lucro.

Em outra reportagem da revista protestante "Vinde" ("Primo rico, primo pobre"), faz-se menção a este fenômeno, que envolve tanto líderes espirituais como fiéis:
 
Ricardo Mariano, sociólogo que estuda há oito anos o fenômeno pentecostal brasileiro, crê que essa remuneração é aceita com naturalidade pelos membros da igreja pois eles vêm projetado na liderança seu próprio anseio, como fruto da teologia da prosperidade.

O sociólogo acredita que a imagem propagada pela sociedade de que o pastor é sempre um homem rico foi criada a partir de alguns exemplos na história recente da igreja no Brasil e no EUA. "Líderes pentecostais de igrejas bem-sucedidas tendem a ter um excelente padrão de vida, pois a administração da obra está integralmente em suas mãos. É fácil observar quem tem este poder totalitário, pois a coisa é tratada como negócio de família, e passa de pai para filho", explica o estudioso.
 
(....)
 
Morando em luxuosas mansões nos melhores bairros da cidade, ou mesmo em prósperos balneários no exterior, incorporando personagens criados por seus assessores de marketing e até ostentando jóias caras, eles mais se parecem com os emergentes jogadores de futebol ou artistas de Hollywood. E, na maioria dos casos, é assim que são tratados pelos fiéis, que os vêem como figuras míticas e exemplares.
 
A visão cristã
 
Coitado do São Francisco de Assis! A julgar pelos exemplos acima, de nada valeria o testemunho do pobrezinho de Assis hoje. Enquanto este último procurou se desfazer dos seus bens, que mais atrapalhavam do que ajudavam em seu caminho cristão, atualmente se prega justamente o contrário.
 
Óbvio que a posse de bens não é um mal em si. Como já foi dito, Deus sabe o que nos é necessário. Além disso, quem muito possui, também possui o encargo de se colocar a serviço do próximo, da comunidade. A quem muito foi dado, muito será exigido. Ou seja: mesmo que alguém encarasse a riqueza como um dom, este dom, tal qual os demais, não é para si, mas para ser usado em benefício de todos. E claro: por livre doação, e não esperando acumular mais bens nesta vida.
 
"Não ajunteis riquezas na terra, onde a traça e a ferrugem as corroem, e os ladrões assaltam e roubam. Ajuntai riquezas no céu, onde nem traça nem ferrugem as corroem, onde os ladrões não arrombam nem roubam. Pois onde estiver vosso tesouro, aí também estará o coração." (Mt 6,19-21)

O homem que vive apegado a riqueza termina por ser seu escravo: "Pois onde estiver vosso tesouro, aí também estará o coração". Que tesouro Deus quer para nós ? Estas distrações e falsos deuses da terra, onde tudo é passageiro e corruptível ?
 
"Ninguém pode servir a dois senhores. Pois ou odiará um e amará o outro, ou será fiel a um e abandonará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas." (Mt 6,24)
 
Procurar o Reino de Deus, servir a Deus... é esta a mensagem que o Evangelho passa. E como tal, tudo tem que ser posto a seu serviço, incluindo as riquezas. Quando um fiel doa à Igreja, não pode ser como quem resolve uma equação matemática, esperando que na outra ponta, como resultado final e imediato, Deus lhe garanta juros e dividendos de retorno.
 
De fato, nesta vida se cumpre o que Cristo disse: "E quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim." (Mt 10,38)

Ou nas palavras do Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: "Não há cristianismo sem martírio, como não há possibilidade de crescimento sem sacrifício. A nossa é uma teologia da Cruz."

Não é o lucro fácil que move o cristão, mas a fé e a esperança nas promessas de Cristo. A felicidade plena e absoluta foi prometida para a outra vida ("Meu reino não é deste mundo"), quando da nossa Ressurreição, em que veremos Deus "face a face", e onde finalmente a alma humana encontrará satisfação total.

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